quarta-feira, 16 de abril de 2014

IARA IAVELBERG (1944-1971) [1]


Durante muito tempo, prevaleceu a versão de que Iara Iavelberg se matou, disparando contra o próprio coração, para evitar as torturas a que certamente seria submetida se fosse apanhada viva no apartamento da Pituba, em Salvador, em 20 de agosto de 1971, onde estava encurralada pelos órgãos de segurança do regime ditatorial, entre eles, agentes do DOI-Codi/RJ deslocados para aquele estado na perseguição final a Carlos Lamarca, morto no mês seguinte.
No momento de sua morte, Iara Iavelberg era uma das pessoas mais procuradas pelos órgãos de repressão política em todo o país, na medida em que já era conhecida sua relação amorosa com Lamarca, inimigo número 1 do regime naquela época. Na mesma operação de cerco, foi presa Nilda Carvalho Cunha [2], de 17 anos, que morreria em novembro do mesmo ano, logo após ser solta com profundos traumas decorrentes das torturas.
Nascida em uma família judia estabelecida no bairro do Ipiranga, em São Paulo, Iara Iavelberg sempre foi tida como pessoa muito inteligente e precoce, tendo interesse por diversificadas áreas da vida cultural, além de ser valorizada pela sua beleza física. Estudou na Escola Israelita do Cambuci, na capital paulista, casou-se pela primeira vez aos 16 anos e ingressou, em 1963, com 20 anos, na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da USP, localizada na rua Maria Antônia, onde cursou Psicologia.
Durante as mobilizações estudantis de 1968, Iara já era psicóloga formada e trabalhava como assistente na própria faculdade. Mesmo não sendo uma dirigente do movimento estudantil naquele ano, mantinha imagem de verdadeiro mito entre as lideranças. Foi militante da Política Operária (Polop) [3], da VAR-Palmares e da VPR, tendo ingressado no MR-8 poucos meses antes de morrer. Na VPR, participou de treinamentos de guerrilha no Vale do Ribeira, interior de São Paulo.
Sua vida foi retratada em livro por Judith Patarra e, parcialmente, no filme dirigido por Sérgio Rezende sobre Lamarca, baseado em livro de Emiliano José e Oldack Miranda. Em ambos, a versão oficial de suicídio, divulgada pelos órgãos de segurança, é aceita como verdadeira. Na tradição judaica, os suicidas devem ser enterrados numa quadra específica do cemitério e com os pés – não a cabeça, como é usual – virados para a lápide.
Apenas em 22 de setembro de 2003, encerrando treze anos de ações judiciais mantidas pelos familiares, com apoio do advogado e deputado Luiz Eduardo Greenhalgh, o corpo de Iara foi finalmente exumado e retirado da ala dos suicidas do Cemitério Israelita de São Paulo. O Poder Judiciário curvou-se aos argumentos jurídicos que ressaltavam as inúmeras contradições presentes na versão oficial dos órgãos de segurança, bem como no suspeito desaparecimento de laudos referentes à sua morte.
As circunstâncias em que morreu Iara são cercadas de dúvidas e contradições, principalmente pelo fato de que a própria versão oficial só foi divulgada um mês após a sua morte, em escassas linhas, juntamente com o anúncio da execução de Lamarca e de José Campos Barreto no sertão da Bahia.
Mesmo nos relatórios elaborados pelas Forças Armadas em 1993, há divergências nas versões apresentadas. Enquanto o da Marinha registra que ela “foi morta em Salvador/BA, em ação de segurança”, o da Aeronáutica afirma que Iara “suicidou-se em Salvador/BA em 6/8/1971, no interior de uma residência, quando esta foi cercada pela polícia”.
O Exército menciona a morte no relatório oficial da chamada Operação Pajuçara: “No dia 19/8/1971 foi montada uma operação pelo Codi/6 para estourar este aparelho, o que ocorreu ao amanhecer do dia 20, resultando na prisão de Adriana, Jaileno Sampaio Filho, Raimundo, Orlando e Nilda Carvalho Cunha. Iara Iavelberg, a fim de evitar sua prisão e sofrendo a ação dos gases lacrimogêneos, suicidou-se”.
Mais intrigante ainda é o desaparecimento do laudo necroscópico de Iara. No Instituto Médico Legal (IML) Nina Rodrigues, da Bahia, não há nem sequer o registro de entrada do corpo de Iara no necrotério, muito menos o laudo. A Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos (CEMDP) buscou, exaustivamente, os documentos relativos ao caso.
Importantes perguntas não encontraram ainda uma resposta definitiva: por que não foi realizada a perícia de local, com fotos da arma utilizada para o suicídio, nem exames papiloscópicos para comprovar o suicídio? Por que limparam o pequeno banheiro onde teria se suicidado tão procurada guerrilheira, antes de tirar as fotos com que se tenta demonstrar o local de suicídio? Por que o relatório detalhado do que aconteceu em Pituba nunca foi apresentado?

[1] As informações dessa descrição foram retiradas do livro: “Luta: Substantivo Feminino”. Nós do Violeta Parra temos o Livro em PDF, se houver interesse basta pedir-nos.
[2] Também contaremos posteriormente a história de Nilda Carvalho, mas uma vítima do regime ditatorial no Brasil.

[3] A Organização Revolucionária Marxista-Política Operária (Polop) nasceu em 1961, reunindo grupos de estudantes provenientes da Liga Socialista de São Paulo e da Mocidade Trabalhista de Minas Gerais. Inicialmente, voltou-se para o debate teórico e doutrinário, rejeitando o conteúdo nacionalista e  desenvolvimentista da propaganda do Partido Comunista: rechaçava, assim, a ideia de aliança com setores da burguesia brasileira. O caráter da revolução era apontado, portanto, como socialista. Em 1967, a direção da Polop começou a ser criticada pelas bases por imobilismo e por incorrer em posicionamentos reformistas. A questão da deflagração imediata da luta armada, nos moldes propostos em 1967 pela Organização Latino-Americana de Solidariedade (Olas), sediada em Cuba, gerou disputas internas. No fim de 1967 e início de 1968, o que restou da Polop fundiu-se à Dissidência Leninista do PCB no Rio Grande do Sul para formar uma nova organização, intitulada Partido Operário Comunista (POC). Em abril de 1970, um grupo de militantes se desligou do novo partido e voltou a constituir a Polop, agora rebatizada com o nome Organização de Combate Marxista- Leninista Política Operária (OCML-PO).

Nenhum comentário:

Postar um comentário